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SOBRE

As lutas só existem em virtude da resistência dos atos. Não é diferente quando se trata da luta contra a violência sexual. Transgressão que ainda faz parte da vida de muitas mulheres. Os casos são facilmente identificados em conversas corriqueiras entre corredores e sussurros em quaisquer lugares. O tabu é visível à medida que o receio de falar sobre o ocorrido ainda é evidente e sentido na pele.

Embora o foco seja abordar o assunto em um espaço específico, não limita-se a essa realidade. Vai além de boatos, quatro paredes e uma vítima. Seja em casa, no trabalho, na escola, na rua ou na universidade. E é a partir desse último universo que a narrativa se manifesta.

Quando questionado/a sobre violência sexual na universidade, infere-se que a primeira imagem relacionada seja um assédio entre docentes e discentes, poucos casos resolvidos e o pensamento de que se denunciar à ouvidoria da instituição “não vai dar em nada”. Como aponta uma professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS), dentro dos muros da universidade há um agravante do problema, na maioria das vezes, as vítimas sentem receio de prestar queixa contra o assediador, com medo da exposição, pressão psicológica, retaliações na vida acadêmica e até pelo despreparo no serviço de apoio a elas.

“Eu já sabia, mas não tinha ligado uma coisa à outra. Tem um professor do meu departamento que sempre foi citado como assediador das alunas, mas não tinha escutado nenhum caso de assédio ainda. Até que teve uma colega minha que foi vista chorando logo após ter ido à sala do professor. Contou que tinha sido assediada, mas não disse detalhes. Depois disso ela parou de vir às aulas. E o episódio ficou por isso até então”, afirma uma estudante da UFS.

“É MELHOR PREVENIR DO QUE REMEDIAR”

Eu provoquei?”; “eu tenho culpa?”; “eu não posso fazer nada quanto ao que aconteceu?”; “só por que eu estava usando short?”. Para todos esses questionamentos, a resposta é não. Não existem métodos para serem executados a ponto de prevenir atos de violência sexual, porém é necessário que seja criado um ambiente acolhedor para a vítima "É importante não pressionar a vítima, já que, em muitos casos, a violência fragiliza e traumatiza e a pressão pode agravar esse caso. A culpa jamais será da vítima e essa pressão feita por amigos e familiares indagando sobre a roupa, comportamento, postura, circunstâncias, corroboram para os altos índices de suicídio entre vítimas" aponta a psicóloga Valéria Abreu.

 

De acordo com o Datafolha, 42% das brasileiras já sofreu algum tipo de assédio sexual. A pesquisa feita com 1.427 mulheres, aponta que 29% destas disseram ter sido assediadas na rua, 22% contaram ter sofrido assédio no transporte público, 15% no trabalho e 10% dentro das escolas ou universidades.

Essa realidade ainda ganha maior evidência em estatística, há uma pesquisa de 2015 do Instituto Avon, que entrevistou 1.136 estudantes sobre questões relacionadas à violência contra a mulher em ambientes acadêmicos. Como resultado, 56% confirmaram haver sofrido assédio sexual por parte de estudantes, professores e técnicos administrativos, à medida que 36% admitiram deixar de participar de atividades na universidade por medo da violência.

Números como estes rodeiam a experiência acadêmica de grande parte das mulheres presente nesse espaço. Visto que, mesmo aquelas que não identificam-se como vítimas estão cientes dos depoimentos de amigas, colegas ou apenas conhecidas.

“É necessário criar coragem, espero que as mulheres se juntem. Afinal todas é bem melhor que uma. Para mim existe um caso específico, que é o maior exemplo dessa universidade. É preciso que as meninas se juntem independente do amparo do departamento e falem sobre atos dos agressores”, encoraja a professora.

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SILÊNCIO, JAMAIS! 

Eu recebi a denúncia de uma aluna que reportou a ocorrência que já vinha frequente a um mesmo professor e eu fui em busca de saber do que se tratava. Convidei outra professora para me ajudar a investigar os casos e recebemos 12 denúncias de alunas que confirmaram a conduta do professor, então eu abri um processo administrativo contra o acusado. Na época somente duas alunas foram denunciá-lo e participaram como vítimas do processo. No final a comissão de sindicância alegou que não haviam provas suficientes”, expõe a docente. 

Para ela, o medo corporativo de terem carreiras prejudicadas impede que chefes de departamentos apoiem e construam um ambiente acolhedor para as vítimas, na maioria alunas. Ela encontra nesta circunstância um dos maiores impasses para o desenvolvimento de segurança e coragem por parte das vítimas para seguir adiante com a denúncia de um ato transgressor. Ressalta ainda que os professores que cometem tais atos são reflexos de impunidades aculumativas, profissionais que infringem outras normativas acadêmicas e continuam reproduzindo-as porque ninguém nunca fez nada para impedir, sempre ficaram impunes. Além disso, também afirma que os processos administrativos são difíceis por conta da falta de provas, “se o professor tiver o mínimo de inteligência ele não sai deixando provas por aí, ele faz tudo na surdina, dentro da sua sala e sem ter testemunha”.

Segundo o Ministério da Educação (MEC), a própria instituição federal é responsável por fazer a apuração e punição de casos como o assédio sexual. Apesar de haverem outras possibilidades de chegar às demais esferas externas ao meio acadêmico, como aponta a cartilha “Violências contra as mulheres na UFS”, é imprescindível que as denúncias cheguem ao canal responsável pelo registro, resolução e encaminhamento de tais ocorrências. 

Em meio às conversas sobre a temática, seja com vítimas, ou com coordenadores dos órgãos responsáveis na universidade, não é difícil identificar a vergonha e a dificuldade que as mulheres possuem em denunciar e pedir apoio. Como revela a coordenadora da Comissão Permanente de Sindicância e Processo Administrativo Disciplinar (CPSAD) da UFS, Mércia Maria Silva Pretextato, “existem mulheres que são assediadas e nem sabem”. Acrescenta ainda que existem muitos boatos sem comprovação, por isso “mulher não pode ficar calada nunca”, uma vez que sua atitude em ir até os órgãos universitários é muito significativo por abrir caminhos de encorajamentos.

“Eu não achava que era assédio até me alertarem sobre isso. Às vezes o pior não é você estar sofrendo, mas sim não querer aceitar. Achar que a culpa é sua porque a sociedade impõe isso. Achar que a roupa que utiliza é o que incentiva o assédio. Então a princípio existia o receio em ser tratada com desconfiança e ser mal interpretada, até encontrar mais três garotas que vieram conversar comigo sobre a mesma pessoa e decidimos ir até a nossa co-orientadora, que aconselhou a irmos buscar nossos direitos na ouvidoria” conta a testemunha, estudante da UFS.

Ela ainda reforça a importância de dar o primeiro passo, que identifica como o reconhecimento da situação. “Reconhecer é essencial. Às vezes você pode achar que o que está acontecendo é coisa apenas da sua cabeça, mas nunca é”, afirma a aluna. Apesar do medo e da insegurança caminharem juntos no primeiro momento, encontrar apoio e acolhimento no pessoal do seu departamento foi fundamental para sua segurança e encorajamento na realização da denúncia. “É um processo que exige tempo”, complementa.

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“O PEQUENO NÚMERO NÃO É POUCO!”

O número exato em relação à violência sexual é notoriamente difícil de validar devido ao estigma em relação às vítimas e consequentemente seu silêncio. De acordo com o ouvidor da UFS, Marcos Cabral de Vasconcelos, a universidade precisa promover confiança e credibilidade suficientes para que a vítima se sinta segura de que, se levar a denúncia até o fim, ainda terá seus estudos e experiência acadêmica a seguir e crescer, depois do ocorrido. 

Realidade que inibe um maior engajamento das mulheres na vida acadêmica, ou até mesmo provoca o abandono desse ambiente. As histórias contadas até aqui podem se assemelhar com as que se costumam ouvir pelos corredores de tempos em tempos. Não obstante a próxima a ser relatada também mantém esse efeito. As histórias se atravessam, porque a realidade das mulheres permeiam um espaço marcado por lutas - a princípio internas, profundas e complexas- que transformam-se em conjunta, fortes e significativas. Embora o medo do agressor persista, o que aconteceu precisa ser dito. É preciso ter coragem.

“Eu tinha 13 anos e estava na sala de aula com outra menina e ia ter aula com ele. Ele falou do tamanho das minhas partes íntimas, fiquei constrangida e foi horrível. Até então não sabia o que significava aquilo, mas sabia que não era certo por ter tido aula de educação sexual na escola pública. Demorei muito para contar aos meus pais e era um negócio que me deixava bastante triste e não percebia o quanto isso me influenciava”, relata aluna da UFS, egressa da Iniciação Científica Júnior.

O ouvidor Marcos destaca alguns pontos que toda a comunidade acadêmica deve levar em consideração. Primeiro, ele considera primordial que as denúncias cheguem até a ouvidoria, por ser um canal oficial para começar a tomar uma providência em relação ao ocorrido. “Eu vejo pessoas dizendo que existem muitos casos, então gostaria de saber desses outros casos existentes, mas só posso trabalhar com os números que chegam até aqui. Então não deixem de registrar para termos mais informações”, indica.

 

Segundo ponto, o direito à ampla defesa é imprescindível, no entanto altamente constrangedor à vítima que se dispôs a testemunhar diante do acusado. Uma vez quando a denúncia avança e sai da esfera da ouvidoria, deixa de ter sigilo e atravessa um “processo desgastante com constrangimento monstruoso”, declara ao explicar que o depoimento é feito com a presença do acusado. Questionado sobre a necessidade de provas até mesmo para continuar o processo, ele ressalta que toda e qualquer prova é válida, até mesmo testemunha.

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UNIVERSO DE NOVAS ATITUDES

Em 27 de maio de 2019, a UFS foi palco de uma audiência pública que discutiu ações efetivas para prevenção e enfrentamento do assédio sexual no meio acadêmico. O evento contou com a participação do Ministério Público Federal (MPF/SE) e a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Sergipe (OAB/SE). Já no dia 11 de julho de 2019, ocorreu uma reunião envolvendo as mesmas instituições para apresentar as medidas em andamento para implantação de políticas de enfrentamento ao assédio no ambiente acadêmico. Dessa vez a ação teve o apoio do coletivo Mulheres Livres.

No dia 27 de novembro de 2019, a UFS lançou a cartilha “Violências contra as mulheres na UFS”, fruto da campanha apoiada pela ONU “16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres”. Produto de professoras e estudantes que integram uma ação de apoio pedagógico vinculada à Pró-Reitoria de Graduação (Prograd).

A partir dessas primeiras ações realizadas no ano anterior sobre o assunto, a UFS estabeleceu um compromisso com o MPF/SE e tem gerado mais atividades acerca do tema. Segundo o vice-reitor Valter Joviniano de Santana Filho, a universidade tem se preocupado com o caráter informativo, e também, no tocante às ações de acolhimento para as vítimas. Dentre as ações já efetuadas está a realização de um seminário de formação sobre violência e assédio, e a criação da bolsa de apoio pedagógico através do Edital nº 02/2019, pela Pró Reitoria de Graduação (Prograd), para pessoas que ajudam no trabalho de acolhimento de qualquer membro da comunidade universitária que venha a ser vítima de casos de assédio.

“O único ponto não finalizado é a preparação de um espaço na ouvidoria específico para receber essas denúncias. Um espaço reservado com pessoas adequadamente treinadas formando uma equipe interdisciplinar”, explica o vice-reitor ao complementar que existe uma cultura que dificulta as mulheres assediadas a procurarem a ouvidoria.

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Em relação às atividades de 2020, o vice-reitor reitera o anseio por repetir o método mais concentrado de divulgação, realizado no início dos períodos, onde a UFS recebe uma população nova que precisa se adequar ao pensamento da instituição. Faixas e banners informativos, divulgação na Rádio UFS e distribuição da cartilha estão entre as intervenções que abordam o tema, além disso a estruturação dos projetos político-pedagógicos dos cursos para que seja inserida essa temática em todos os cursos. “A Prograd (Pró-reitoria de Graduação) em fevereiro realizará um Fórum Permanente de Graduação, dentro do evento essa temática será apresentada aos docentes para que os núcleos se sensibilizem e esse assunto possa ser inserido na formação dos discentes. Para que a pessoa se forme com esse conhecimento e consigamos mudar a realidade”, informa o vice-reitor.

“A universidade tem tentando crescer no acolhimento, que sempre foi um papel exclusivo da ouvidoria, portanto trata-se de um projeto inicial. Agora a UFS possui um Grupo de Trabalho Institucional Pedagógico querendo evoluir nesse aspecto, preocupado em enfrentar a violência sexual”, conta o ouvidor Marcos Cabral. O grupo é liderado pela vice-reitoria que integra além da Ouvidoria, o Departamento de Serviço Social, liderado pela Katharina Nascimento de Oliveira, pessoas da Pró-reitoria de Assuntos Estudantis e Pró-reitoria de Graduação (Prograd).

Universidade Federal de Sergipe

Produção da disciplina Laboratório de Jornalismo Integrado II - 2019.2

Reportagem: Francielle Nonato e Isabella Vieira

Produção visual: Francielle Nonato

Professores orientadores: Cristian Góis, Talita Déda e Vitor Belém

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