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Reportagem: Camila Gerônimo, João Victor Vasconcelos, Mayze Barreto, Rafaelle Silva e Rivandson Teles

Fotos: João Vitor Moura e Pedro Ramos​

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De olhares de reprovação à destruição de templos e imagens sacras, as manifestações de intolerância às religiões de matrizes africanas, o Candomblé e a Umbanda, espalham- se pelo Brasil. Em um Estado tido como laico, as estatísticas de um alto percentual de denúncias de intolerância contra esses grupos demonstram a necessidade de protegê-los e orientar à população sobre a importância da garantia da liberdade de culto.

 

Os últimos dados (2019) divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) referentes às denúncias religiosas em 2018, apontam um total de 506 casos registrados no Disque Direitos Humanos (Disque 100). Destes, cerca de 30% foram de denúncias feitas por seguidores das religiões afro-brasileiras.

 

De acordo com as estatísticas do ministério, em Sergipe não foi notificada nenhuma denúncia de intolerância através do Disque 100. No entanto, a falta de registros representa, apenas, que os casos de intolerância no estado não são denunciadas através desse canal de comunicação nacional. Na entrevista realizada com três umbandistas e uma candomblecista, eles relatam situações as quais já passaram dentro e fora de casa.

Em Sergipe, dados do censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que 4.590 pessoas seguem as religiões de matrizes africanas, sendo 998 da Umbanda, 1.297 do Candomblé e 2.295 da Umbanda e Candomblé.

 

Em uma pesquisa Datafolha divulgada em janeiro deste ano, a religião predominante no Brasil é o catolicismo, com o percentual de 50%. Em seguida, vêm os evangélicos, as pessoas que sem religião e o espiritismo. As religiões de matrizes africanas ocupam o quinto lugar com cerca de 2% dos adeptos.

 

Apesar de não possuírem o maior número de seguidores, essas religiões são as que apresentam os maiores índices de denúncias de crimes de ódio e intolerância religiosa. Atualmente, o Movimento Negro Brasileiro tem adotado o termo “racismo religioso” para promover o debate da relação entre o racismo e o culto dos africanos e afrodescendentes.

Para entender as religiões de matrizes africanas é necessário voltar ao seu lugar de origem: a África. Entre os séculos XVI e XIX, 4,4 dos 5 milhões de negros escravizados trazidos para o Brasil vieram de lugares conhecidos como a Costa da Mina, cujo território englobava os atuais Gana, Togo, Benin e sul da Nigéria. Nesta época, o continente era dividido em governos independentes, como o Império Oyo, o Reino do Daomé, as terras dos povos axante e o Reino de Nri - cada um com sua própria religião. Nas Américas, os povos que mais inspiraram as crenças aqui desenvolvidas foram os povos Yorubá e Fon.

 

Devido a essa extensa diversidade de povos africanos no Brasil, o Candomblé se apresenta em várias vertentes que expressam os valores de suas nações. Os tipos mais praticados por aqui são a da Nação Ketu (origem do Sudão - povo yorubá), Nação Angola (origem do Congo e Angola - povo bantu) e Nação Jejê (origem Benin - povo Fan).

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Os povos Yorubás - que existem há mais de dez mil anos e foram os fundadores do Império Oyo, em 1400 d.c - são os responsáveis pelo entendimento mais conhecido como Candomblé no Brasil (Nação Ketu). Porém, quando se fala em religiões de matrizes africanas no país, não se pode descartar a relação entre este e a Umbanda. Essas duas manifestações religiosas têm muitas semelhanças, porém suas bases filosóficas, origem, crenças, divindades e início são distintas.

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É importante ressaltar que o Candomblé, como é conhecido no Brasil, é uma expressão religiosa africana da diáspora. Segundo Maycon Mundoca, pesquisador das manifestações culturais de religiões afro-brasileiras na Universidade Federal de Sergipe (UFS), os negros escravizados trouxeram para cá os orixás que pudessem protegê-los em terra estrangeira, como Omulú com a cura, Ogum com a justiça, entre outros.

 

Já a Umbanda tem seu nascimento dentro de uma casa espírita kardecista. “Um senhor incorpora um espírito caboclo dentro de um espaço que geralmente só se incorporava pessoas ‘notáveis’ e ele vem trazendo ali uma entidade da terra e, por isso, ele é expulso e recebe a missão de construir sete terreiros de Umbanda. A partir daí, além dos indígenas, acabam entrando também os pretos velhos e outras entidades”, conta Mundoca.

Essas duas religiões foram responsáveis por diversas construções de identidades brasileiras, principalmente dos negros em diáspora, que enxergavam esses espaços como quilombos. “Esse quilombo é pensado como um espaço de sociabilidade, um espaço onde têm uma economia própria, essas nuances de uma sociedade que vive à margem de uma hegemonia, por isso esse espaço produziu manifestações folclóricas, danças e expressões artísticas”, afirmou o pesquisador.

 

As religiões de matrizes africanas no Brasil também trazem o debate sobre sincretismo religioso. Para Mundoca, geralmente esse sincretismo é tratado como uma imposição ao negro, mas sua visão sobre o assunto é distinta. “Por muito tempo, nós fomos ensinados que o negro cultuava o santo católico como uma maneira de disfarçar o deus que ele cultuava de verdade. Eu não acredito nisso, essa visão coloca o negro numa visão pacífica e passiva. Os povos africanos não buscavam uma supremacia, então eles acreditavam que poderiam cultuar, em uma momento de aflição, o orixá e o santo”, explica.

 

É importante ressaltar que as religiões afro-brasileiras são baseadas na oralidade, ou seja, não existe um livro sagrado como a bíblia ou a torá, por exemplo. Por esse motivo, as manifestações religiosas são diversas de terreiro para terreiro. “O que diferencia essas religiões das religiões eurocêntricas, é a continuidade, isso promove um processo contínuo com o tempo e com o meio que está vivendo. Você não vai ter uma uniformização no culto, isso é o grande legado dessas religiões”, ressalta Mundoca.

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